sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Mongólia, Bernardo Carvalho


"Estamos em terra de xamãs. Quem viaja por toda a Mongolia vai encontrando pelo caminho amontoados de pedras, como pequenas pirâmides com faixas e estandartes azuis fincados no topo. São os ovoos, que marcam os locais onde há maior proximidade entre o céu e a terra e maior facilidade de comunicação com os espíritos. Designados pelos xamãs, em geral ficam em pontos altos da paisagem, mas nem sempre. E é de bom agouro para o viajante jogar uma pedra e dar três voltas em torno do ovoo, em sentido horário, sempre que se depara com um. Na Mongolia, a terra reflecte o céu. A sombra das nuvens corre pelo deserto e pelas estepes. O céu está sempre tão perto. A paisagem não se entrega. O que você vê não se fotografa."

1 comentário:

Bibas disse...

Encontrei no blog Rascunho, O Jornal de Literatura do Brasil uma entrevista ao autor. Eis um excerto que me pareceu interessante:

"Para escrever o romance Mongólia, eu ganhei uma bolsa e fui para aquele país. Durante o meu tempo lá, eu viajava de carro com um motorista e um guia. Foi o meu primeiro contato com o Oriente e me dei conta de um negócio muito impressionante. Fui para a Mongólia profunda, vilarejos, sempre nos lugares mais esquisitos. Me dei conta de que o Oriente é um lugar em que a literatura e as artes, como eu imagino, não fazem sentido. A Mongólia foi um país que passou de um feudalismo totalmente dominado pela Igreja budista para um estado comunista. No feudalismo, a arte funcionava para a Igreja, com representações de coisas que servissem para a prática religiosa. Sem conhecer o capitalismo, o mundo moderno, passaram para um estado comunista, em que a arte servia aos interesses do estado. O meu guia, por exemplo, admirava um poeta mongol, cujo principal poema é uma ode à merda seca das ovelhas. Na Mongólia, não tem muita lenha. Então, no inverno, eles queimam fezes secas de animais. Essa própria adoração denunciava uma arte em função do estado. Para mim, esse negócio começou a ficar sufocante. É uma concepção de arte que funciona na sociedade: ou ela serve para uma prática religiosa ou serve para o estado nacional, autoritário. Mas a arte que eu defendo - que não funciona na sociedade, que não tem função, que entra em desacordo - não tem lugar no mundo oriental tradicional. Quando eu voltei, iniciei o projeto com o grupo Vertigem na periferia de São Paulo, e aí me dei conta de que aqui também não tem essa arte. Eu vivo num mundo de fantasia. Crio um tipo de literatura que eu acho que tem alguma importância porque preciso continuar criando, mas que, na verdade, não tem nenhuma importância, não tem nenhuma conseqüência social. E no capitalismo tem um negócio que se estabeleceu: o mercado. A arte já não funciona mais para o estado, para a religião, mas se também não funciona no mercado, ela não faz sentido. Isso é terrível. Nessa situação, eu sou nada. A minha literatura pode ser de resistência, mas é muito pequena, não tem o menor significado. É nada. O que eu faço é totalmente insignificante."